Quando o que você sente não é seu: a absorção emocional como sinal de fronteiras psíquicas frágeis
- vicsciascia
- 3 de jul.
- 3 min de leitura
Atualizado: há 7 dias
Pouca gente fala sobre isso, mas nem todo sentimento que passa por você te pertence de fato. Somos permeáveis, afetiva, sensorial e emocionalmente. Estamos o tempo todo captando o mundo ao nosso redor: o humor das pessoas, o clima de um ambiente, os silêncios de quem a gente ama.
Algumas pessoas fazem isso com uma intensidade ainda maior: sentem o desconforto do outro antes mesmo que ele diga qualquer coisa; se moldam ao redor do ambiente para evitar conflito; captam nuances, viram radar. E, com o tempo, perdem o limite entre o que é empatia e o que é invasão emocional involuntária. O nome disso não é “frescura”. É falta de fronteiras psíquicas.
O que são fronteiras psíquicas?
Fronteiras psíquicas são, simbolicamente, as bordas que separam o eu do outro. Elas não são rígidas, como muros, mas também não deveriam ser inexistentes.
Ter fronteiras saudáveis significa reconhecer os próprios sentimentos, desejos, responsabilidades e necessidades, mesmo quando estamos em contato próximo com as emoções alheias. Quando essas fronteiras estão enfraquecidas ou pouco desenvolvidas, torna-se difícil diferenciar o que eu sinto espontaneamente, do que eu sinto porque alguém perto de mim sente.
O resultado? Uma espécie de “confusão afetiva”, cansaço crônico, dificuldade de se posicionar, medo de desagradar. Tudo entra. Tudo mexe. Tudo afeta. A pessoa carrega cargas emocionais que não são dela, mas que passaram a ocupar espaço interno como se fossem. É como se você tivesse desenvolvido um radar emocional finíssimo… mas não tivesse aprendido a desligá-lo.
Por que isso acontece?
Existem diversos fatores que podem enfraquecer essas fronteiras. Alguns dos mais comuns incluem:
Ambientes familiares emocionalmente instáveis, onde a criança aprendeu desde cedo a "ler" os outros para se adaptar, prever crises ou garantir algum tipo de segurança.
Papeis parentais invertidos, em que a criança assume funções emocionais de cuidado dos pais, tornando-se responsável pelo bem-estar deles.
Histórico de negligência afetiva, em que não houve espaço suficiente para a construção de uma identidade emocional própria.
Em muitos desses casos, desenvolver hipersensibilidade ao ambiente foi, em algum momento, uma estratégia de sobrevivência. Mas, na vida adulta, isso pode se transformar em um fardo silencioso.
Como isso se manifesta na prática?
Alguns exemplos comuns:
Sentir culpa quando alguém está mal, mesmo sem ter feito nada.
Dúvida constante sobre o que realmente sente, quer ou precisa.
Se responsabilizar constantemente por "salvar" ou "consertar" os outros.
Mudar de humor com facilidade dependendo do ambiente ou das pessoas ao redor.
Cansaço emocional recorrente, mesmo quando “nada de grave aconteceu”.
Pessoas com fronteiras emocionais frágeis também tendem a se envolver em relacionamentos onde se doam em excesso, muitas vezes sem perceber que estão abrindo mão de si mesmas.
A psicoterapia como reconstrução do espaço interno
Na terapia, é possível desenvolver um senso mais claro de identidade emocional. Isso não significa se tornar insensível ou “frio”, mas aprender a sentir com consciência e distinção.
A psicoterapia ajuda a:
Identificar os sentimentos que são seus e os que foram absorvidos.
Reconhecer padrões emocionais repetitivos.
Criar espaço interno para escutar suas próprias necessidades — antes de sair se adaptando ao mundo.
Desenvolver limites emocionais mais claros e saudáveis.
Cuidar dos outros com presença, mas sem se anular.
Esse processo leva tempo, mas é libertador. A sensibilidade deixa de ser um terreno onde tudo invade — e passa a ser uma habilidade que pode ser cultivado com limites.
Conclusão: você não precisa carregar o que não é seu
Sentir o outro é uma potência. Mas viver absorvendo emoções alheias sem saber o que fazer com elas é exaustivo e, muitas vezes, silenciosamente destrutivo.
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Se você se reconhece nesse texto, talvez seja hora de construir — ou reconstruir — suas fronteiras internas. Nem tudo que você sente é seu. E tudo bem.
A psicoterapia pode ser o lugar onde, finalmente, você aprende a perceber a diferença.
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